segunda-feira, 31 de outubro de 2011 | By: Rodrigo Pael

Alegria da morte

Não recrimino alguém que se sente aliviado com a morte de uma pessoa sofredora por uma doença incurável ou em estado terminal. Nessas situações, a frase mais proferida é: ela descansou. Também consigo compreender a sensação de dever cumprido, quando alguém, depois de gozar uma vida inteira de felicidade e realização, decide ir embora.
Já presenciei idosos que obviamente já tinha decidido morrer e, apenas, aguardavam a visita da barca sendo puxada por um cachorro. Também tenho a experiência de velhos e velhas que tomaram a decisão contrária e nem pensam na possibilidade de deixar esse mundo. Continuam com planos futuros, produção intelectual, lucidez, opinião forte, mesmo com cerca de 90 anos.

O próprio José Saramago, escritor premiado, já descreve de forma real e geopolítica, o que aconteceria se as pessoas parassem de morrer. Em “Intermitência da Morte”, Saramago fala de uma Europa velha, com seguridades sociais explodindo pela falta da morte. Mais uma prova da importância da morte.

Mas o que não consigo entender é a alegria trazida pelo assassinato de alguém, como ocorreu com Muamar Kadafi. O controverso ditador, obviamente, também matou muita gente, ora impondo a miséria ditatorial, ora nos conflitos dos últimos meses.
Porém, acredito que nada justifica o assassinato, muito menos a alegria nesta ação.
A morte, antropologicamente e culturalmente falando, foi de fundamental importância para a construção sistemática da cultura que encontramos hoje, em sociedade. A consciência da morte diferenciou nossos ancestrais dos outros animais – com exceção do elefante, que demonstra ter o mesmo entendimento. A percepção da finitude humana fez com que se criasse um vácuo de significados, dando origem a construções culturais como religião, fé, paraíso mítico, vida após a morte, dentre outros.

São valores primitivos que se caracterizam como base para a organização de grupos e dogmas. Também primitivo é a festa com a morte bárbara de um homem, independente de sua história, que ensanguentado e esbofeteado, clama pela vida e pela legalidade.
As últimas palavras de Kadafi foram pedindo clemência para que não o matassem e lembrando seus algozes: “Vocês não podem fazer isso”.
Os valores democráticos sempre me nortearam. Acredito que a liberdade e o poder sob o controle social é o que pode garantir a harmonia de uma nação. Mas a vida não é valor, mas sim algo que não nos pertence, é algo dele, é algo individual.

Hoje, organismos internacionais realizam investigações sobre a morte de Kadafi. É evidente, não dará em nada. Já os insurgentes batem cabeça para organizar o conjunto de tribos (não estou aqui falando de maneira pejorativa), que se configura a Líbia. Historicamente, temos outras experiências que nos apontam como é o futuro de uma nação, após a queda de um ditador com duras políticas coercivas.

Para a biologia, a morte é um processo natural de desgaste orgânico. Mas se alegrar com a morte de Kadafi, nenhuma ciência explica.

5 comentários:

Demócrito disse...

A morte de Kadafi para aquela nação seria como se um câncer fosse arrancado de maneira drástica, bruta e sem anestesia. Infelizmente se vangloriam deste feito, por ainda estarem e serem extremamente ignorantes em relação aos valores que a palavra VIDA possui para cada um. Assim, não há como julgar seres humanos que tiverem desde o berço a opressão, a ditadura e o espírito de que para se resolver algo, somente a morte ou a guerra seriam a solução. Há uma frase que sempre guardo comigo para este tipo de situação: "Não posso cobrar do meu semelhante, virtudes que eles ainda não possuem." Muito bom o texto, Prof. Pael... parabéns e grande abraço"

FernandaBB disse...

Pael, enquanto assistia as cenas dele sendo torturado fiquei imaginando o que sentia a familia dele assistindo as imagens... muito triste. Passei no seu blog deixar um abraço e reforçar que te admiro muito.

Chris Borba disse...

Será que cabe a nós julgar o próximo? Claro que não. Ele por si só pagará por tudo que fez, é a lei de Deus. Mas é o mal de muitos, vingar com suas próprias mãos, fazendo de si um ser igual ao que tanto repudia.
É lamentavél ver que não só la as pessoas se vangloriam e tripudiam sobre a vida do próximo.

Kevin Crystopher disse...

Já vi muitos vídeos de pessoas fazendo justiça com as própias mão a um "elemento" que não tendo nenhum tipo de avaliação do que fez, que acho que não tem mesmo, tirar vidas de pessoas inocentes, mas vem a questão: será que também não estão também comentando o mesmo crime? Então porquye julgam? Ainda fico na metade do muro em relação a pena de morte, se fez algo que motivou a ira da sociedade deve pagar em vida, mais também julgam com a famosa frase " Aqui se faz , aqui se paga" complicado discutir isso.

Vi essa semana uma matéria de um homem matar outro por causa de uma marmita, valor da vida, onde?

Tati disse...

Esse é o meu favorito!!!! Me faz ver a importância de Deus em minha vida, hoje eu consigo entender que Deus ama os pecadores, o que Deus não ama é o pecado!!!

Postar um comentário