sábado, 19 de março de 2011 | By: Rodrigo Pael

Como convencer as paredes do quarto

Esta história aconteceu há anos, mas sempre me vem à memória quando percebo que aprendo muito observando este ente tão complexo, o ser humano. Era do meio para o final do ano e dois amigos meus estavam se preparando para prestar o mesmo concurso. O primeiro, já tinha prestado o concurso muitas vezes, e neste ano específico, estava mais empenhado que nunca, tinha passado na primeira das duas fases do certame e resolvera freqüentar dois cursinhos – um durante a semana e outro nos finais de semana – sua dedicação era tanta que, qualquer nova obra literária que aparecia na cidade sobre o assunto chegava primeiro na casa dele.
Este personagem anunciava aos quatro ventos os cursinhos que estava fazendo, sempre os melhores, e a bibliografia que já possuía em casa era invejável, dizem seus colegas que, na sala de aula, sentava-se na primeira fileira, sempre com uma caneta na mão e uma cara de conteúdo no rosto. Porém, um amigo do trabalho dele já me alertava, ‘a postura é inversamente proporcional ao repertório cultural’.
O segundo personagem se tornou um grande amigo, um homem que chama a atenção pela simetria e pela bela voz, mas aquele jeitão, não tão comprometido, estava me preocupando, também, ele só fazia o cursinho de final de semana. Ele é um ser diferenciado, aparenta ter muito menos idade do que realmente tem, e isso me causa óbvia inveja. Também prestava o concurso há anos, estava preocupado, estudando, mas o empenho demonstrado por nosso personagem anterior era visivelmente maior.
Passaram algumas semanas e o resultado da segunda etapa do concurso foi publicado, meu amigo que compõe o segundo personagem foi aprovado e festejou, já o, aparentemente, mais aplicado, não. A postura do reprovado foi de revolta com todos, criticou a prova, os elaboradores, os aprovados, o sistema solar, a lei da gravidade, dentre outros.
Avaliando a postura dos dois e, principalmente daquele que reprovou, me veio a mente milhares de imagens de situações onde obviamente eu, ou outras pessoas estavam tentando convencer o destino que merecíamos algo. Isto acontece quando adotamos uma postura assim, superlotando nossos horários de estudos estapafúrdios, comprando centenas de livros que não conseguiremos ler mesmo se tivéssemos duas vidas, fazendo caras e bocas de conteúdo, mas na verdade, temos graves limitações primarias de cultura e aprendizado.
Não estou criticando aqueles que, por algum motivo, não reuniram um repertório cultural importante, mas evidencio que não é com uma postura que o destino se convence. O destino é convencido por coisas reais. Não adianta ler grandes doutrinadores do direito, se ainda não conseguimos interpretar os códigos do português; não funcionará a tentativa de entender Guimarães Rosa, se não enxergarmos a complexidade mística da formação do povo brasileiro. Não adianta. Não é com posturas, faces e trejeitos, é com honestidade. É perceber em si que ainda tem limitações, que ainda não é um intelectual, mas que pode se torná-lo, se for verdadeiro consigo e com os outros.
Existe um verso do insuperável Raul Seixas, que sempre escuto vivamente em meus ouvidos, quando alguém tenta convencer o destino de algo: “convence as paredes do quarto e dorme tranqüilo, sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo”.

6 comentários:

Unknown disse...

Parabéns! De todos o mais profundo.
Um vez vc pediu pra comentar o blog. Acho que se vc deveria se expor mais, como o fez neste texto!!!

Gi.

Gabii Rachid. disse...

O texto me caiu como uma luva, já que tenho sido rodeada de algumas pessoas que parecem mais do que são,por vezes tenho dúvidas de se é assim mesmo que se deve ser ou se ainda existe a essência e a simplicidade do "só sei que nada sei". Abs.

Unknown disse...

Parabéns! Me chamou muito a atenção a sua facilidade e a maneira tão simples, mas muito inteligente e objetiva de colocar em evidencia situações que nos rondam e que as vezes não sabemos como lidar. Seus textos são prazerozos de ler e faz com que nos sintamos familiarizados e até mesmo parte deles.

Shayane

Unknown disse...

Eu costumo dizer que a maioria dos cursinhos prepara as pessoas para ficarem tensas no dia da prova. Uma disputa enorme em mostrar os melhores resultados nos teste e acaba que na hora da prova o momento é outro. Eu sempre estudei em casa, sozinha e sempre tive bons resultados. Muito bom o texto!

Adriana Keyla disse...

De fato o texto fala sobre a vida de muitas pessoas que conheço e repassarei a todas elas.
Seus textos são sempre ótimos de ler, refletir e aplicar...
Parabéns!!!

Anônimo disse...

Gostei muito deste texto e, inclusive, já vivenciei situação parecida à relatada nele. Convencer nosso destino de que merecemos algo é, realmente, uma tarefa complicada. Mas, como falado por você, é necessária honestidade para reconhecer as próprias limitações e, com profunda vontade, superá-las.

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